O Espelho de Ossos e a Sombra de Lisboa C1.1
A European Portuguese horror story by Isadora Almeida
A névoa envolvia Lisboa como um véu macabro, sufocando as vielas estreitas e os edifícios antigos com a sua umidade gélida. Era uma noite de S. João, mas o ar estava longe da festividade habitual. Um silêncio pesado pairava, interrompido apenas pelo soluçar do vento e pelo som distante de um fado melancólico. Eu, Inês, historiadora obcecada pelo sobrenatural, encontrava-me numa pequena livraria antiga, procurando um livro raro, um grimório proibido que falava de um espelho amaldiçoado.
O dono da livraria, um velho magro com olhos penetrantes e um sorriso enigmático, surgiu de entre as pilhas de livros empoeirados. Apresentou-se como Senhor Vicente, e os seus dedos ossudos deslizaram sobre os títulos antigos, como aranhas num tecido escuro. Ele sabia do que eu procurava. Disse que o livro era perigoso, que era um portal para um mundo de sombras, mas o mistério me aprisionava.
Ele mostrou-me um livro encadernado em couro humano, as letras douradas gravadas numa língua arcaica. A capa estava marcada por um símbolo estranho, uma espiral de ossos entrelaçados com uma sombra fantasmagórica. Era o espelho de ossos. O preço era alto, não em escudos, mas em memórias. Uma parte de mim tinha que ficar na loja, como um sacrifício necessário.
Levei o livro para casa, para o meu pequeno apartamento em Alfama. As ruas estavam desertas, a névoa mais espessa, quase palpável. A cada passo, sentia uma presença próxima, um olhar frio na minha nuca. No meu apartamento, iluminado apenas pela luz fraca da lua, abri o livro. As páginas eram feitas de pergaminho antigo, amarelecido pelo tempo, cheias de símbolos e feitiços escritos em latim medieval. A leitura era difícil, as palavras pareciam dançar diante dos meus olhos, formando imagens perturbadoras.
Descrevia o espelho, um objeto de poder incomensurável, capaz de mostrar o que se escondia para além da realidade, mas ao preço de perder parte da própria alma. A lenda contava que o espelho tinha sido forjado por um alquimista obscuro em tempos medievais, e que ele continha a sombra de Lisboa, um reflexo de toda a sua dor, medo e escuridão. Dizem que quem o olha demasiado tempo, fica preso para sempre no seu abismo, transformado em sombra.
Naquela noite, senti a minha alma despedaçando-se em pedaços menores. No espelho, vi a minha própria imagem distorcida, envolta em trevas. Vi Lisboa em chamas, os seus habitantes transformados em criaturas grotescas, almas perdidas no inferno. O medo invadiu-me, um frio cortante que congelou o meu sangue. De repente, sombras se agitaram à minha volta, sussurros antigos ecoaram nos meus ouvidos, palavras que não conseguia entender, mas que trespassavam a minha alma como lâminas afiadas.
Consegui fechar o livro, mas o horror permanecia. As imagens do espelho tinham-se gravado na minha mente, atormentando-me. Os sussurros continuavam, ecoando nos meus sonhos, transformando as minhas noites em pesadelos sem fim. Vi o rosto do Senhor Vicente nos meus sonhos, o seu sorriso enigmático, os seus olhos penetrantes, que pareciam saber o meu destino antes mesmo de eu nascer. Durante dias, o medo foi meu companheiro constante. A cada instante, sentia que algo me observava, uma presença malévola que me seguia como uma sombra teimosa.
Decidi procurar o Senhor Vicente. Tinha de devolver o livro, livrar-me da sua maldição. Encontrei-o na mesma livraria, mas algo tinha mudado. Ele estava mais enfraquecido, mais magro, mais próximo da morte. Ele me reconheceu com um olhar que transmitia um conhecimento profundo, um conhecimento do mal que assombrava a minha alma. Ele disse que a sombra de Lisboa me havia escolhido, que eu era digna de carregar o seu fardo.
Disse-me que a única forma de quebrar a maldição era enfrentar a sombra, olhar para ela diretamente, sem medo. Que eu deveria encontrar o coração da sombra em São Jorge de Alfama, no ponto mais alto da cidade. Lá, poderia confrontar o meu próprio medo, o meu próprio mal, e talvez, libertar-me. Para isso, teria de enfrentar o meu passado, os meus medos mais profundos. O seu olhar era a prova de que ele já havia realizado essa jornada.
Subi a colina até à Igreja de São Jorge, a névoa envolvendo-me como um abraço gélido. O vento uivava como um cão faminto, e a cidade jazia aos meus pés, envolta em sombras. No topo da colina, vi o espelho, não físico, mas uma projeção da própria escuridão da cidade. Nele, vi todas as minhas falhas, todas as minhas inseguranças.
Olhei para o espelho com o olhar fixo, sem pestanejar. Enfrentei a minha própria sombra, os meus medos, a minha fragilidade. E quando o fiz, o espelho quebrou, as sombras dispersaram-se como folhas ao vento. Senti um peso levantar-se das minhas costas, uma liberdade que não conhecia antes. A névoa dissipou-se, o sol surgiu através das nuvens, banhando Lisboa numa luz dourada e esperançosa. A sombra de Lisboa, pelo menos para mim, tinha desaparecido.
Voltei para casa, exausta, mas em paz. O livro, o espelho de ossos, havia desaparecido. Talvez o Senhor Vicente o tivesse recuperado, talvez tivesse sido absorvido pela mesma escuridão que tinha me atormentado. Não sei. Mas sei que a minha jornada estava completa. A névoa tinha se dissipado, o fado melancólico tinha se transformado em alegria, e eu tinha sobrevivido à sombra de Lisboa.
O dono da livraria, um velho magro com olhos penetrantes e um sorriso enigmático, surgiu de entre as pilhas de livros empoeirados. Apresentou-se como Senhor Vicente, e os seus dedos ossudos deslizaram sobre os títulos antigos, como aranhas num tecido escuro. Ele sabia do que eu procurava. Disse que o livro era perigoso, que era um portal para um mundo de sombras, mas o mistério me aprisionava.
Ele mostrou-me um livro encadernado em couro humano, as letras douradas gravadas numa língua arcaica. A capa estava marcada por um símbolo estranho, uma espiral de ossos entrelaçados com uma sombra fantasmagórica. Era o espelho de ossos. O preço era alto, não em escudos, mas em memórias. Uma parte de mim tinha que ficar na loja, como um sacrifício necessário.
Levei o livro para casa, para o meu pequeno apartamento em Alfama. As ruas estavam desertas, a névoa mais espessa, quase palpável. A cada passo, sentia uma presença próxima, um olhar frio na minha nuca. No meu apartamento, iluminado apenas pela luz fraca da lua, abri o livro. As páginas eram feitas de pergaminho antigo, amarelecido pelo tempo, cheias de símbolos e feitiços escritos em latim medieval. A leitura era difícil, as palavras pareciam dançar diante dos meus olhos, formando imagens perturbadoras.
Descrevia o espelho, um objeto de poder incomensurável, capaz de mostrar o que se escondia para além da realidade, mas ao preço de perder parte da própria alma. A lenda contava que o espelho tinha sido forjado por um alquimista obscuro em tempos medievais, e que ele continha a sombra de Lisboa, um reflexo de toda a sua dor, medo e escuridão. Dizem que quem o olha demasiado tempo, fica preso para sempre no seu abismo, transformado em sombra.
Naquela noite, senti a minha alma despedaçando-se em pedaços menores. No espelho, vi a minha própria imagem distorcida, envolta em trevas. Vi Lisboa em chamas, os seus habitantes transformados em criaturas grotescas, almas perdidas no inferno. O medo invadiu-me, um frio cortante que congelou o meu sangue. De repente, sombras se agitaram à minha volta, sussurros antigos ecoaram nos meus ouvidos, palavras que não conseguia entender, mas que trespassavam a minha alma como lâminas afiadas.
Consegui fechar o livro, mas o horror permanecia. As imagens do espelho tinham-se gravado na minha mente, atormentando-me. Os sussurros continuavam, ecoando nos meus sonhos, transformando as minhas noites em pesadelos sem fim. Vi o rosto do Senhor Vicente nos meus sonhos, o seu sorriso enigmático, os seus olhos penetrantes, que pareciam saber o meu destino antes mesmo de eu nascer. Durante dias, o medo foi meu companheiro constante. A cada instante, sentia que algo me observava, uma presença malévola que me seguia como uma sombra teimosa.
Decidi procurar o Senhor Vicente. Tinha de devolver o livro, livrar-me da sua maldição. Encontrei-o na mesma livraria, mas algo tinha mudado. Ele estava mais enfraquecido, mais magro, mais próximo da morte. Ele me reconheceu com um olhar que transmitia um conhecimento profundo, um conhecimento do mal que assombrava a minha alma. Ele disse que a sombra de Lisboa me havia escolhido, que eu era digna de carregar o seu fardo.
Disse-me que a única forma de quebrar a maldição era enfrentar a sombra, olhar para ela diretamente, sem medo. Que eu deveria encontrar o coração da sombra em São Jorge de Alfama, no ponto mais alto da cidade. Lá, poderia confrontar o meu próprio medo, o meu próprio mal, e talvez, libertar-me. Para isso, teria de enfrentar o meu passado, os meus medos mais profundos. O seu olhar era a prova de que ele já havia realizado essa jornada.
Subi a colina até à Igreja de São Jorge, a névoa envolvendo-me como um abraço gélido. O vento uivava como um cão faminto, e a cidade jazia aos meus pés, envolta em sombras. No topo da colina, vi o espelho, não físico, mas uma projeção da própria escuridão da cidade. Nele, vi todas as minhas falhas, todas as minhas inseguranças.
Olhei para o espelho com o olhar fixo, sem pestanejar. Enfrentei a minha própria sombra, os meus medos, a minha fragilidade. E quando o fiz, o espelho quebrou, as sombras dispersaram-se como folhas ao vento. Senti um peso levantar-se das minhas costas, uma liberdade que não conhecia antes. A névoa dissipou-se, o sol surgiu através das nuvens, banhando Lisboa numa luz dourada e esperançosa. A sombra de Lisboa, pelo menos para mim, tinha desaparecido.
Voltei para casa, exausta, mas em paz. O livro, o espelho de ossos, havia desaparecido. Talvez o Senhor Vicente o tivesse recuperado, talvez tivesse sido absorvido pela mesma escuridão que tinha me atormentado. Não sei. Mas sei que a minha jornada estava completa. A névoa tinha se dissipado, o fado melancólico tinha se transformado em alegria, e eu tinha sobrevivido à sombra de Lisboa.
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